Diante do iminente risco da direita voltar a tomar o poder, a esquerda volta a recorrer à velha ladainha retórica, instruindo e amedrontando o povo quanto aos perigos que tal circunstância ideológica coloca.
A utilização dessa mesmice discursiva, que é sobejamente conhecida pelos cidadãos mais atentos, conduz inevitavelmente à mesma interrogação: porque não se altera a retórica dos argumentos com novos factos e exclamações, que sejam capazes de gerar mais empatia, mais mobilização popular e, consequentemente, originar outras práticas de intervenção e ação social?
“a ladainha que usamos é a mesma porque funciona.”
Porém, embora nunca seja singular, a resposta da esquerda gira sempre em torno da costumeira justificação – a ladainha que usamos é a mesma porque funciona.
E, de facto, tem funcionado. Isso ficou evidente nas eleições presidenciais de 1986, das quais Mário Soares saiu vitorioso. Ficou célebre a disputa eleitoral entre Soares e Freitas do Amaral, seu opositor.
Naquela época, a argumentação adoptada pela esquerda foi tão bem orquestrada que, até os mais hesitantes, foram convencidos a votar em Mário Soares. Foram habilmente explorados o medo, os perigos, o retrocesso social, a perda de direitos e a instabilidade política que a eleição de Freitas do Amaral poderia desencadear.
O lema “Mário Soares, o menor de dois males”, cunhado por Álvaro Cunhal, traduz bem o receio que, à época, a esquerda tinha da direita.
Mário Soares, contando com o apoio da esquerda mais radical, venceu de facto essas eleições presidenciais, porém à esquerda, ainda hoje se lamenta essa decisão.
Ironia do destino, algum tempo depois, o próprio Freitas do Amaral, que a esquerda ajudou a combater, viria a ocupar o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros no governo socialista liderado por José Sócrates.
Entretanto, os anos decorreram e a ladainha voltou.
Eleições legislativas de 2015.
Os resultados eleitorais indicavam a iminente possibilidade da direita voltar a governar, o que representava o incremento de mais desgraças sociais, mais cortes salariais, brutais aumentos de impostos e outras maleitas corretivas. Perante essa possibilidade, a esquerda recorreu, de novo, às soluções milagrosas e curativas: participando em concílios, promovendo consensos, com o primordial objetivo de travar a perigosa direita, para gáudio disfarçado do Partido Socialista, de forma a erradicar os avejões corpulentos e populistas que, à época, deambulavam pelo parlamento.

Nesse tenso cenário político, o Partido Socialista convoca, secretamente, o seu mais promissor alfaiate – António Costa. O esmerado mestre em alfaiataria, recolheu rapidamente os retalhos, as fazendas coçadas, deu uns pespontos enviesados e, eis que veio ao mundo um belo fato geringonçado.
Uma vez mais, embora por pouco tempo, a costumeira ladainha funcionou.
Sucederam-se anos de confrangedora domesticação da esquerda parlamentar.
No entretanto, enquanto António Costa se vangloriava da estabilidade governativa alcançada, que permitiu viabilizar as suas políticas neo-liberais, à sua esquerda os parceiros da governação perdiam votos e apoios.
De igual forma, os sindicatos, acoplados aos partidos de esquerda, suspenderam tacitamente as suas agendas de luta, dando prioridade às mesas de negociação.
As causas e as lutas dos trabalhadores começaram a sofrer de uma letargia crónica e desesperançada. Apenas mais tarde, com o surgimento de novos sindicatos, ações de grupos inorgânicos e protestos espontâneos, essas causas viriam a ser reanimadas.
Diante da crescente mobilização social de protesto, António Costa, com receio de ver os seus projetos europeus fragilizados, decidiu demitir-se, rompendo a farpela geringonçada.

Estamos de novo perante mais um momento eleitoral, no qual o povo soberano será chamado a decidir o seu destino governativo. Porém, desta vez, o cenário à esquerda é ainda mais preocupante. Lamentavelmente, justamente no ano em que celebramos os 50 anos da revolução, as sondagens indicam um expressivo crescimento da extrema-direita, pelo que se coloca a questão, por onde andam agora as vozes da esquerda, onde estão as costumeiras ladainhas?
Os alfaiates mudaram de rosto, as medidas do corpo são diferentes, os seus gestos são mais amplos e o timbre de voz diferente. No entanto, a lengalenga cansada persiste e, com ela, ressurge a mesma farpela desgastada de sempre. Após anos repletos de nefastas consequências, a disponibilidade aventada pelos candidatos de esquerda, para novos entendimentos, novas reedições da geringonça, é um tenebroso sinal de que tudo pode voltar ao mesmo.
Neste momento, a grande questão é: quem estará ao lado dos trabalhadores após as eleições?
Sabemos que a direita dificilmente ocupará esse espaço. No entanto, também reconhecemos que ladainhas e geringonças nunca serviram, nem servem o povo. Discursos moderados, apaziguadores, inspirados num de um esquerdismo à la carte, sonso, morno e higiénico já não convencem o povo.
Assim, caberá aos partidos de esquerda decidir se as utopias realizáveis nos levarão à desgraça coletiva, travestida de progresso? Ou se, finalmente, terão capacidade para construir um futuro melhor para e com aqueles que trabalham?
É hora de enfrentar, sem medo, os fantasmas e todas as demais divindades apocalípticas, recentemente ressuscitadas pelos partidos da direita.
No dia 10 de março, entre o geringoncídio e a falta de fé, o povo escolherá, certamente, a esperança!
Lisboa, 9 de março, Pedro Brito
