294 dias sob a batuta de Fernando Alexandre na tutela do Ministério da Educação.
294 dias de intensas negociações, ou, nas palavras do Ministro, de “diálogos profundos e construtivos com todos os representantes sindicais.”
294 dias decorridos, pontuados por acordos de bastidores, sustentados por alguns sindicatos, tantas vezes à revelia dos professores. Entendimentos de circunstância, justificados, pelos sindicatos e pelo ministério, com argumentos vagos: “aprovar este dossiê crucial para o futuro dos professores”, vencer este ou aquele “obstáculo” negocial … discurso precário que serve apenas para camuflar a verdadeira razão desses entendimentos – servir as intenções partidárias do frágil governo em funções.
Não se pode dizer, nestes longos 294 dias, que este ministério seja avesso a reuniões de negociações com os sindicatos. As palavras “enérgicas” proferidas, há dias, pelo ministro para um conhecido OCS foram claras – “Quando vamos para a mesa de negociações, é mesmo para negociar!”
Eis um ministro imperativo, um ministro decidido, um governante que se orgulha publicamente do diálogo “construtivo” com os representantes dos professores, empenhado desde o primeiro instante em “resolver de forma rápida e eficaz os complexos problemas da educação”.
Porém, a realidade é outra, 294 dias é tempo mais do que suficiente para que todos percebam a distância entre as palavras vagas do ministro e a dureza dos factos reais. A tristeza e a desesperança, vivenciadas nas escolas de todo o país, contrastam fortemente com o otimismo proferido pelo Ministro Fernando.
Exemplo notável, desse discurso ilusório, é o desastroso processo de Recuperação do Tempo de Serviço, apresentado como a grande iniciativa deste ministério. Para a qual contou apenas com o apoio da FNE — um sindicato que funcionou como “aliado certo” —, uma vez que a tutela não conseguiu envolver outras organizações sindicais importantes, como a FENPROF e os milhares de professores que representa.

Ainda assim, o ministro não hesitou em celebrar o acordo, como se de uma vitória real se tratasse, ignorando milhares de professores, nos últimos escalões da carreira, que não viram o seu tempo recuperado.
Quando questionado sobre a fragmentação nas negociações com os sindicatos, o ministro culpou quem “por tradição nunca cede — a FENPROF”.
A FNE apresentou o acordo como um feito histórico porém, a lenta e atribulada execução do prometido, a ausência de recursos, as sucessivas falhas nas etapas previstas, rapidamente acabariam por gerar mais críticas e insatisfação entre os professores.
E muitos são os professores que nem sequer entendem a diferença entre “recuperação do tempo de serviço” e progressão, presos numa teia de burocracia interminável.
Quando questionado sobre as razões desses atrasos, bem como sobre a generalizada confusão nos serviços que tutela, o ministro, como vem sendo hábito, apresentou um conjunto de justificações incongruentes: registos biográficos desatualizados, problemas técnicos das empresas de informática ao serviço do ministério e falta de recursos humanos. Um rosário de desculpas que reforçam apenas a sua incapacidade para liderar efetivamente. O resultado? Professores desiludidos, enganados e sem esperança de verem integralmente restituído, a tempo e a horas, o seu tempo de serviço.
No que diz respeito ao Estatuto da Carreira Docente (ECD) a história não será diferente. Apesar de ser a chave para resolver problemas como escassez de professores, desvalorização salarial e condições de trabalho, este crucial documento não é atualizado desde 2009. Ainda assim, o ministro anunciou ao país, com grande entusiasmo, que está preparado para revisar o estatuto.
Ora, perante a motivação e a predisposição para o diálogo do ministro, que alega estar consciente do impacto e relevância dessa reforma na carreira dos professores, depreende-se que este dossiê será tratado com a máxima celeridade e respeito pela mesa das negociações.
Mas, como a política tem as suas prioridades, as exigências do calendário eleitoral sobrepõem-se, uma vez mais, às emergências e às necessidades fundamentais da escola pública.
O governo de Luís Montenegro, sem maioria absoluta no parlamento, não quer arriscar uma negociação do ECD com efeitos a breve prazo, uma vez que esse processo poderia desencadear insatisfação e contestação social nas ruas o que, consequentemente, contribuiria para antecipar as eleições para as quais ainda não está preparado.
Neste cenário, sem perder a “expressa vontade reformista”, o Ministro da Educação afirma estar com vontade de “aplicar o novo ECD em 2025/26”, no entanto, discorda do calendário proposto pela FENPROF, que sugeriu como término das negociações março de 2025.
Num golpe palaciano, para evitar compromissos indesejáveis, o ministério da educação recorreu novamente aos seus aliados sindicais para assinar outro acordo, que definiu, horas antes das negociações com as outras plataformas sindicais, o protocolo negocial.
A FENPROF reclamou, e o outro sindicato, cujo nome estamos estatutariamente impedidos de dizer, engendrou uma consulta interna aos seus associados, procurando que evitar que o barulho trespasse para fora dos seus muros, para não perturbar o recém anunciado “zigoto-presidencial” que, se tudo correr bem, tomará Belém.

Efetivamente, após 294 dias no cargo, Fernando Alexandre parece mais empenhado em criar uma aparência de diálogo do que em enfrentar, realmente, os problemas estruturais da educação. Sob o verniz de um ministro decidido e dinâmico, esconde-se um governo preso a interesses partidários e a uma agenda eleitoral de conveniência, deixando os professores e o sistema educativo amarrados a um ciclo de promessas vazias e sucessivos adiamentos.
A recuperação do tempo de serviço — amplamente divulgada como uma relevante conquista — revelou-se mais retórica do que ação, com falhas operacionais que prejudicam milhares de docentes. O ECD, embora reconhecido como essencial, permanece estagnado, condicionado por mero calculismo político e receios eleitorais.
Entre alianças convenientes com sindicatos e desculpas esfarrapadas, a tutela especializou-se em evitar responsabilidades, porque a culpa nunca é do ministro. Enquanto isso, o desânimo cresce nas escolas. Professores, que deveriam ser o foco das reformas, continuam abandonados à burocracia e às promessas adiadas. O discurso polido de Fernando Alexandre contrasta fortemente com a ineficácia prática da sua gestão.

Após 294 dias de muita parra e pouca uva, a impressão que se vai afirmando é a de que, para este ministro, a Educação é mais um trampolim político do que uma missão transformadora. Lamentavelmente, mas sem surpresa, o preço desse sórdido jogo político será suportado pelos professores, pelos alunos e pela qualidade do ensino público em Portugal.