Placebos, Panaceias e Bulas Ministeriais

Fernando Alexandre revela-se um especialista na arte do eufemismo medicamentoso. Apresenta uns comprimidos de açúcar como solução, dissolve-os em água benta e garante a imediata resolução dos problemas da educação.

No início, sente-se um mal-estar, um prurido ocasional que incomoda, mas não chega a ser insuportável. Ignora-se, na esperança de que passe. No entanto, o sintoma agrava-se, tornando-se uma presença constante e debilitante. Quando já não é possível disfarçar, o mal-estar transforma-se numa doença crónica, de proporções epidémicas, que consome o organismo de quem dela padece.

Perante um quadro clínico tão grave, a resposta esperada seria um diagnóstico rigoroso e um tratamento adequado. Em vez disso, o que se oferece ao docente é um cocktail de placebos e panaceias que, mais do que alívio, proporcionam uma ilusão passageira de cura. Estes “remédios” não atacam a raiz do problema; limitam-se a atenuar a perceção da dor, a mascarar a febre e a adiar o inevitável colapso.

É precisamente esta dialética de diagnóstico-tratamento-perverso que os sucessivos governos têm aplicado à educação em Portugal.

A receita prescrita pelo atual executivo, sob a tutela do ministro da Educação, Fernando Alexandre, recorre a soluções farmacológicas às quais dá nomes como “apoios extraordinários”, “recuperações faseadas”, “medidas pontuais”, “+Sucesso”, implosões ministeriais, “serenidade escolar”, e a mais recente prescrição medicamentosa: a “impoluta aura do magistério”. São bulas bonitas e eloquentes, repletas de contra-indicações; paliativos que nada curam, apenas prolongam o sofrimento e agravam o estado do paciente.

Fernando Alexandre revela-se um especialista na arte do eufemismo medicamentoso. Apresenta uns comprimidos de açúcar como solução, dissolve-os em água benta e garante a imediata resolução dos problemas da educação.
Mas o seu efeito é tão efémero e superficial que, rapidamente, as dores regressam ainda mais fortes. O doente, o sistema educativo, continua a padecer, agora intoxicado por uma sobrecarga de medidas avulsas que nunca se articulam num verdadeiro plano de cura. São disso exemplo as degradantes condições físicas das escolas, os constantes erros nos sistemas de informação e monitorização de dados, a obsolescência dos sistemas informáticos da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, a falta de rigor e transparência nos concursos públicos e a danosa gestão financeira de dezenas de agrupamentos, só para referir as mais recentes maleitas.

Debrucemo-nos agora sobre a mais recente prescrição medicamentosa de Fernando Alexandre para enfrentar o grave problema da falta de professores nas famigeradas zonas carenciadas: o Apoio Extraordinário à Deslocação.

Esta é uma das bandeiras políticas mais importantes de Fernando Alexandre. Gaba-se o senhor ministro de ter sido o primeiro a implementar uma medida deste tipo e vangloria-se de que “todos os parceiros sociais concordaram com ela”. No entanto, uma análise mais aprofundada revela tratar-se de uma medida superficial, mal estruturada e, acima de tudo, incapaz de resolver o problema de fundo que tem levado centenas de jovens professores a abandonar a carreira, e tantos outros a olhar para a profissão como algo pouco ou nada aliciante.

O caráter extraordinário do apoio denuncia a ausência de uma política estruturante e permanente. Trata-se de um apoio temporário, tributado e profundamente desigual entre professores que desempenham as mesmas funções, servindo apenas para aliviar pontualmente os custos de deslocação, sem garantir estabilidade nem previsibilidade. Muitos docentes continuam a percorrer centenas de quilómetros diariamente, arcando com despesas elevadas de combustível, portagens e alojamento. O apoio é meramente simbólico, pois não cobre as despesas reais.

O critério de elegibilidade é restritivo e pouco transparente. Há casos em que professores com deslocações significativas viram as suas candidaturas ao AED anuladas, ou receberam apoios financeiros reduzidos, porque a distância entre a escola e o domicílio fiscal não cumpre os requisitos definidos, muitas vezes por escassas dezenas de metros. Ao que tudo indica a Administração Escolar recorre a sistemas de cartografia que nem sempre coincidem com os usados pelos professores na candidatura.
Esta incongruência técnica, aliada à falta de rigor na implementação, não só gera uma sensação de injustiça e desconfiança entre os docentes, como também reforça o sentimento de desvalorização de uma classe sujeita, há anos, a desigualdades territoriais e contratuais.

Este apoio não resolve a raiz do problema. Incentivos financeiros temporários não substituem políticas de fixação efetiva de docentes; não aumentam de forma justa e consistente os salários dos professores; e não resolve o problema da habitação acessível, o verdadeiro antídoto para a instabilidade profissional. O resultado é previsível – uma medida anunciada com pompa e circunstância, mas sem impacto real e duradouro no terreno.

Em síntese, estes apoios e remedeios temporários servem sobretudo como estratégia de comunicação política, e não como soluções eficazes e duradouras para os problemas da educação. Falta-lhes continuidade, coerência e visão de futuro.
Enquanto não se reconhecer que a mobilidade forçada dos docentes é um sintoma e não a causa da crise do sistema educativo, os apoios de circunstância continuarão a ser meros paliativos para um problema estrutural e profundo que exige coragem política para ser resolvido.

É cada vez mais evidente para quem ensina: Fernando Alexandre veste a toga de Hipócrates da educação, mas por baixo esconde o avental gasto de um curandeiro de ocasião.


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